´´O ódio não se deixa abraçar

Todo mundo tenta se adaptar e minimizar o sofrimentos dos milhares de imigrantes, refugiados ou não, que cruzam todo o planeta. Na Europa, os refugiados são um problema gravíssimo. Muitos estão saindo da Idade Média - onde a mulher é apedrejadas até a morte se for suspeita de adultério - e entrando num mundo para o qual não estão preparados. Há denúncias de prisões serem esvaziadas e seus ocupantes colocados em barcos e botes, sem documentos, rumo à Europa onde deverão chegar e gritar “asilo” e se declararem politicamente perseguidos, onde receberão uma nova vida. Uma vez que a taxa de natalidade dos habitantes alemães, franceses, ingleses, suíços, entre outros, está em queda irreversível, será inevitável que o número de estrangeiros aumente cada vez mais e será uma questão de tempo para que eles elejam seus próprios governantes e que as leis sejam adaptadas para eles. Saddam Hussein disse certa vez que a Europa seria conquista sem o uso da espada. O que fazer então para evitar que os valores e a cultura atuais sejam esmagados pelos seus novos habitantes? Parece óbvio, será preciso recebê-los de braços abertos, ensinar-lhes os nossos valores de civilização e tolerância que foram adquiridos ao longo dos séculos, às custas de muito sangue, suor e lágrimas. Fazer com que enxerguem com os nossos olhos, respeitando nossas diferenças assim como respeitamos as deles hoje. Uma solução linda como a utopia do ideal socialista, que só funciona no papel.

Em novembro de 2014 eu estava cheio de problemas e precisei me afastar de tudo e todos para tentar me reencontrar. Chegando na Alemanha peguei o metrô e desembarquei em Frankfurt. Saí do Hauptbahnhof (estação central) e me deparei com uma paisagem urbana que me lembrava muito a Estação da Luz e avenida Duque de Caxias, com a São Paulo velha ao fundo. O calçadão fedia a urina, havia puteiros enormes e a diferença era basicamente que o mendigo que lá me abordou tinha olhos azuis.

Me hospedei num hostel onde meu quarto tinha quatro beliches, sem banheiro e com uma pia. Havia três colegas de quarto, dois romenos com pouco mais de vinte anos, até certo ponto amistosos, e um sujeito franzinho, com roupas surradas e malcheiroso. Descobriria que durante a madrugada ele usava a pia como mictório. No restante, o clima era descontraído, os romenos tinham notebooks ligados em cima das camas, vários pertences espalhados e seus celulares ficavam largados ao lado dos computadores, saiam do quarto para ir ao banheiro e fazer lanche sem se preocupar. Apesar de estar na Europa, onde metrôs e bondes não têm catraca, eu trancava tudo com cadeados. Pensei comigo larga de ser paranóico, você está na Europa, cara. Saí depois do almoço e fui comprar uma câmera fotográfica nova pois minha antiga estava dando sinais de fadiga. Quando voltei, apesar de ainda ser cedo, pouco depois das 20 horas, os romenos já estavam dormindo e fizeram uma cara horrorosa quando voltei. Me desculpei e procurei fazer o mínimo de barulho possível, deixei a minha máquina fotográfica nova carregando a bateria e fui tomar uma ducha. Quando voltei não vi mais a câmera em cima da cama, a cama de um dos romenos estava vazia e a outra estava aparentemente ocupada. Olhei para meu armário e vi a porta escancarada. Todo o meu dinheiro havia sido roubado, deixaram apenas o passaporte e um cartão de crédito. Fui até a cama em que estava o outro romeno, mas ao chamá-lo, percebi que só havia cobertores e travesseiros simulando um corpo. Me dirigi à recepção, muito relutantemente o recepcionista me passou o número da polícia. Liguei e me explicaram que por ser noite de halloween eles demorariam para vir até o local: poderiam levar até 40 minutos para chegarem. Chegaram em 20. Esclareceram que se tratava de quadrilhas especializadas nesse tipo de furto, criam um ambiente descontraído e no menor descuido de algum colega de quarto, furtam o que está ao alcance e desaparecem. Se eu já não estava bem, voltei para o quarto arrasado. Havia um novo colega de quarto que estava se arrumando para sair. Apesar de tudo, tentei ser agradável, puxei conversa comentando que enquanto para mim o dia estava terminando, parecia que para ele estaria começando. Ele me olhou furiosamente e quase aos berros me mandou calar a boca halt die Klappe, hast du gehört? Halt die Klappe! (Cale a boca, você me ouviu? Cale a boca!) Me desculpei e ele andando na minha direção como se fosse me agredir ruich, kein Wort!,(quieto, nenhuma palavra!) “Desculpe, eu venho do Brasil e lá...“ me interrompeu “Sim, sim, eu sei, lá é tudo diferente, mas cale a boca, cale a boca!” ele berrou, e saiu furioso do quarto.

O alemão dele tinha um sotaque horrível e era claro que ele não era do país, não consegui descobrir de onde ele era, mas a minha simples existência o incomodava terrivelmente. Foi um dia desconcertante, depois fiquei sabendo que ele fora se queixar na recepção com excessiva veemência e que foi expulso do hostel. Disseram que parecia se tratar de algum tipo de radical.

Conto toda essa história maluca porque uma das soluções para as diferenças teoricamente seria abrir os braços para os refugiados e trazê-los para o nosso lado, mas, por experiência própria, isso nem sempre é possível! Eles querem preservar aquilo que tem valor para eles, as tradições deles, a forma de se vestirem, de se alimentarem, de se divertirem, não querem mudar nem se adaptar. Eles querem trazer o país deles para dentro do país que  habitam, pois a forma de vida que levamos pode ser inaceitável, uma afronta à religião ou aos costumes dessas pessoas e a tendência é que a maioria, quando intolerante, um dia massacre ou aniquile a minoria. É assim desde muito antes de Cristo e está acontecendo nesse momento em países africanos e do Oriente Médio. Todo país que já foi colônia passou por isso. Não adianta cantar “We are the world”, soltar pombas brancas e cercar de amor um leão selvagem ou um radical talibanês que degola pessoas a sangue frio. Vejo o nascimento de um novo ciclo em que nos tornaremos uma minoria dominada por regras que não nos dizem respeito. Dizem que não existe boa ação que não receba um castigo, temo que o politicamente correto e nossa tolerância sejam nossa fraqueza.

Não pretendo estar sendo pessimista, muito menos xenófobo, apenas discorro algumas linhas sobre o que vivi e o que a história me mostrou.

ricardo@bluesrockshow.com

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