Curso de Aperfeiçoamento - Florianópolis. 02 e 03/08/2014  Sempre que ando algumas horas sacolejando e
escorregando numa estrada de terra, quando volto para a rodovia digo "meu Deus,
como é gostoso andar no asfalto", é como flutuar - do outro jeito a gente voa também, mas com uma turbulência da porra. O que me leva a fazer uma análise do que me levou
àquela situação de instabilidade e desconforto.
 Imediatamente vêm à minha mente a imagem de
paisagens deslumbrantes e posteriormente a satisfação de ter superado as
adversidades do percurso. Para não falar que apenas 5% das entradas no mundo são pavimentadas.
 Racionalmente falando, eu não deveria andar fora do
asfalto, na verdade, se eu tivesse o juízo no lugar não andaria de moto, aliás,
qualquer pessoa completamente racional não o faria. Como
não consigo ficar longe da terra, muito menos da moto, mesmo tendo um parafuso a menos ainda
tenho um pouco de juízo - achei que seria legal
fazer um curso que me desse algumas dicas, para que eu pudesse ter uma condução
mais segura em terrenos adversos.
Existe um curso famoso em São Paulo, mas quando
expus minha limitação física, os organizadores me desencorajaram a fazê-lo. Chateado
mas ainda com água na boca, fiquei conhecendo o Big Trail de Florianópolis. Fiz
contato com eles perguntando se um "perna de pau" conseguiria fazer o curso. A
resposta sincera do Vantuir Boppré foi "não", mas argumentou que se eu
perguntasse se seria possível eu ir para a Bolívia e Peru de moto e fazer os
caminhos off road que faço, a resposta seria a mesma, no entanto, eu
fiz tudo isso. Para minha surpresa me disse que se sentiriam honrados com minha
presença.
 Sendo assim, com o espírito sereno, no dia primeiro
de agosto de 2014, com o meu amigo Cláudio, fui para Floripa. Na pior das
hipóteses eu iria dar um role legal, conhecer pessoas interessantes e confirmar
o que eu já desconfiava (não é qualquer um que consegue andar na areia).
 Saímos em grupo do ponto de encontro até o centro
de treinamento. Enquanto andávamos calmamente pela BR-101, na via paralela
apareceu um doido voando numa KTM com apenas a roda traseira no chão, que logo
desapareceu na nossa frente. Ao chegar no CT era ele quem nos aguardava, ninguém
menos que Jackson Feubak, um campeão de diversas categorias off road
do Brasil, inclusive do dificílimo Rali dos Sertões. Não é preciso falar que deu
um show de pilotagem radical durante os dois dias de curso.
 Kelly, Jackson, Vantuir, Edson, Anisio, Willian,
Eu, (desculpe - me passe seu nome), Achilles,
Hélio, Walerico, Carlos Tira, Marciano, Silvio,
Claudião, Maximiliano
Vim preparado para não conseguir realizar nem a
metade dos exercícios propostos, para minha surpresa, por opção, deixei de
realizar apenas um. Mas o que mais me surpreendeu
foi a evolução do grupo. Quando chegamos, vi colegas com muitas dificuldades,
hesitantes e que nunca tinham pilotado na terra. Pensei comigo: "eles não vão
conseguir, isso não vai dar certo para eles". Havia uma pluralidade de
indivíduos, não só na profissão como também na idade, experiência e porte
físico. O grupo era heterogêneo demais em muitos sentidos, portanto seria
natural que os resultados também o fossem. Puxa,
como eu estava enganado. No final do dia todos não só haviam melhorado muito
como também tinham realizado todos os exercícios com méritos. Fiquei muito
feliz, porque explicitamente torcíamos pelo sucesso um do outro, e todos
conseguimos. No final do dia estávamos moídos, com calos nas
mãos, mãos e antebraços inchados pedindo gelo, enfim, o corpo todo doendo, mas
com a mente leve e satisfeita.
 Para mim foi especialmente difícil, pois o segredo
está em se colocar de pé na moto, o tempo todo, variando a postura de acordo com
o terreno.
Quando estou de pé, por não ter sensibilidade na
perna esquerda, não sei nem mesmo se o pé está apoiado corretamente, e muitas
vezes não estava; deve-se flexionar os joelhos para ajudarem no amortecimento
dos impactos, para conseguir isso, preciso tirar o peso da prótese o que permite
que o pé se desloque nos solavancos - fiz o exercício na caixa de pedras, um dos
mais temidos, com uma perna só e a esquerda pendurada.
Precisar da perna esquerda para corrigir e
equilibrar a moto não era uma opção; quando flexiono a perna, todo o peso fica
na perna direita; para dividir o peso, preciso que o joelho da prótese esteja
totalmente estendido, o que é errado; não consigo travar as pernas contra o
banco para poder deixar as mão trabalharem mais livremente, consequentemente,
faço uma força enorme com os braços para me manter na posição, dificultando
muito a dosagem do acelerador e o manuseio dos manetes de freio e embreagem.
Então, se é tão ruim, por que andar de pé? Porque é
incrível como o comportamento da moto muda, te permite subir e descer rampas
muito íngremes e quando fica sambando, jogando a traseira de um lado para o
outro, você mal percebe. Sentado não seria possível passar por alguns
lugares.  No dia seguinte fomos a um novo playground
onde tínhamos subidas, descidas, areia, areião, pedras, água, tudo! Enquanto
andava por uma reta de terra que parecia uma pista de pouso, a 20 por hora,
tremendo que nem vara verde, "ai mamãe, me segura que vou cair", escutei
um ronco do meu lado, era o Jackson passando a mais de 100, só com a roda
trazeira tocando o chão, na lateral da pista, onde a areia é bem fofa e funda. Pensei em
atirar a bengala nele, mas antes de piscar os olhos ele havia passado todos e
já estava voltando com a traseira da moto chicoteando para todo lado. Eita
sujeito ignorante!
 Um dos últimos exercícios foi o de passar pela
areia fofa. Havia um trecho curto de uns vinte metros que já trazia muita
dificuldade, tombei duas vezes e em outras passei... Como não tenho a perna esquerda para dar o "tapinha" para endireitar, se necessário, não me sinto seguro e
vou continuar fazendo de tudo para evitar esse tipo de terreno. O exercício que
optei por não fazer era outro trecho que tinha uns cem metros de areia e só os
mais ousados o enfrentaram.
 Em suma, recomendo que qualquer pessoa que tenha
uma moto trail participe, não importando idade, porte físico,
experiência ou deficiência. Os profissionais envolvidos são fantásticos e você
será acolhido de braços abertos, no entanto, quem for participar, é preciso
estar consciente de que pequenas quedas poderão ocorrer, geralmente sem maiores
consequência para os condutores, pois os tombinhos ocorrem abaixo de 40 km/h, já
as motos podem sair com alguns arranhões, felizmente na nossa turma apenas uma
moto teve alguma avaria, mas poderia ter acontecido a qualquer um. Você vai se
divertir muito e aprender muito também.
As feras, à minha direita Jackson Feubak, com Edson
Mesadri e Vantuir Boppré à esquerda.
No encerramento fui homenageado pela equipe de
treinamento e recebi os DVDs Caminhos da América 1, 2 e 3. Um exagero da parte
deles mas adorei!!! Saímos de lá para a merecida cerveja e ficamos ouvindo as
histórias fantásticas do Vantuir e do Edson, daria para ficar dias ouvindo suas
aventuras. Muito legal! Abaixo está o link para o trailer de Caminhos da América
3, só para ficarem com água na boca.
Fotos aqui postadas são de autoria da Big Trail e do Cláudio Guimarães.
Ricardo Koetz
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