06/03/2008 - Via Funchal
O dia em que o sisudo Dylan perdeu o rumo depois de um beijo de uma piriguete.
Era a terceira vez que eu ia assistir a lenda viva Bob Dylan, já sabendo muito bem o que me esperava: um sujeito que não está nem aí para o que o público quer ouvir, resmungando as suas canções ao microfone e fazendo versões irreconhecíveis de seus clássicos, mesmo assim, merece respeito pois tem mais de 100 milhões de discos vendidos, carreira com mais de 5 décadas, 44 álbuns gravados e autor de algumas das principais canções de protesto e hinos da contracultura.
Como eu não estava afins de investir nos preços extorsivos dos ingressos que chegavam a R$ 900,00, comprei o mais barato que tinha e sentei praticamente na porta do banheiro. Sabendo da posição ruim, cheguei cedo e comecei a fazer o social com os garçons, fui puxando papo com os seguranças e depois de 15 minutos de conversa com o que tomava conta do palco, ele me sugeriu esperar as luzes se apagarem e durante a primeira música procurar um lugar na segunda fila, pois haveriam lugares vagos - beleza!
Os produtores do Oscar 2001 foram buscar Dylan na Austrália para tocar Times Have Changed, do filme Garotos Incríveis (Wonder Boys, 2000) e levou a estatueta de melhor canção na 73ª edição da festa.
Não sei porque, mas as fotos estavam estritamente proibidas e os seguranças estavam fazendo marcação cerrada, as fotos que tenho aqui foram conseguidas em raros momentos de distração dos seguranças. Abaixo Dylan tocando sua gaita.
No mais, estava com uma banda com 6 músicos de apoio e Dylan se revezava entre o teclado, gaita e guitarra. O que acabou quebrando o gelo foi uma garota de shortinho e blusa justa que, em um instante, estava correndo pelo palco dando baile nos seguranças, agarrando Dylan com determinação, derrubando-lhe o chapéu ao lascar-lhe um belo beijo. O segurança agarrou a piriguete por trás e saiu carregando-a, que esperneava com os joelhos dobrados e pés no ar, dando tchauzinho com um largo sorriso. Bob Dylan se atrapalhou todo, esqueceu a letra da música, mas quando a música acabou perguntou para a platéia "Quem é aquela garota?" Depois de mais uma música "Alguém tem o telefone dela?", arrancando gargalhadas de todos.
Na fila de saída atrás de mim, ouvi uma calorosa discussão entre dois rapazes em que um afirmava veemente que tinha sido tocada Blowin' in the wind e o outro convicto de que a música não havia sido executada. Na verdade fora a última que ele tocou, mas completamente destruída.
Depois de ler seu livro Crônicas, passei a entender certas "maluquices" dele. Ele explica que depois de algumas canções de protesto que escreveu, acabou sendo eleito como uma espécie de guru e que nunca mais teve sossego, todos os dias tinham malucos no seu quintal, andando em cima do telhado da casa e assim por diante. Passou então durante anos tentando destruir sua imagem criando discos ruins, mudando de religião a cada 3 meses, derramando whiskey sobre a cabeça antes de entrar em um supermercado, e avaliando através da imprensa o que tinha dado resultado e o que não, pois ele não queria ser o líder de ninguém, tudo o que ele queria era ser um homem comum, ter uma vida pacata ao lado de sua mulher, criar os seus filhos e tocar o seu violão.
O setlist encontra-se no link abaixo:
"Se Elvis liberara o corpo, Dylan liberou a mente. Dylan não inventou o rock – ele apenas lhe deu um cérebro.” Eduardo Bueno (Peninha) – historiador, escritor e jornalista
Ricardo
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