Jon Anderson

JON ANDERSON E A WORLD MUSIC
 

Data : 28 de abril de 1993 (quarta-feira)
Local: Palace (casa noturna de espetáculos, de porte médio)
Show : Jon Anderson (multiinstrumentista e vocalista do dinossauro progressivo - YES)
 
Aproximadamente às 22:15 hs. começou a única apresentação no Brasil de uma turnê que cobriu Venezuela, Chile, Argentina, Uruguai, Brasil e Bolívia.
 
Músicos que o acompanham:
Luis Perez - percussionista (mexicano);
Frederico Ramos - guitarra (uruguaio);
Eduardo Marquez - baixo (uruguaio);
Aron Serfaty - bateria (venezuelano);
Keith Heffner - teclados (californiano);
Deborah Anderson e Nina Swan - backing vocals (sendo que a primeira ‚ filha de Jon - 22 anos, e a segunda apresentada pelo próprio Jon como minha noiva, de aparentemente idade próxima).
 
As luzes se apagam e os músicos entram, todos vestidos com roupas bordadas que lembram os Andes, onde o branco predomina em mais de 90 %.
 
Um percussionista, que mais lembra um feiticeiro índio, faz sons da natureza como água, pássaros e grilos. Jon toca um instrumento pequeno que lembra um sax.
 
Finalmente dirige-se ao microfone com as duas mãos abertas, paralelas  e próximas uma da outra, dobra ligeiramente os  joelhos, projetando o seu corpo para frente. Parecia que fosse se ajoelhar e rezar. Foi quase isso, despeja sua voz angelical sobre nossos ouvidos e canta.
 
À partir desse momento o ser racional que habita meu corpo me deixa e embarco em uma viagem transcendental que nos faz desprender da matéria. Observo rapidamente as  pessoas ao meu redor e encontro o mesmo meio sorriso abestalhado estampado na cara de todos, que se deixam levar pela magia daquele som sutil, cheio de natureza e sussurros. Já não consigo mais registrar os acontecimentos em minha mente pois estamos todos atordoados por aquele torpor musical.
 
O som é incrível, extremamente latino, chegando a lembrar Tarancon, mas com um toque eletrônico, futurista‚ paradoxal.
 
Agradece os aplausos com as mãos juntas, inclinando-se como um hindu. Conta que é como um sonho estar tocando em São Paulo, que é muito amigo dele - São Paulo, e que ao cruzar a América-Latina, ele se surpreendeu com o povo, que, segundo ele, é: muito simples; muito bonito; muito "heavenly" (próximos ao céu, próximos à Deus), porque estão muito próximos da natureza.
 
Diz que a dois anos conheceu uma pessoa muito especial, e nos apresenta o "bruxo" percussionista, que começa a cantar e tocar uma música folclórica num idioma que não consegui identificar, muito forte, ritmada; e mais uma  vez combinada com um som extremamente  eletrônico. Detalhe: em determinados momentos o bruxo saca do cinto duas flautas pequenas e as  coloca  na boca, tocando-as simultaneamente, uma com cada mão.
 
No final dessa avalanche de  saladas musicais, Anderson volta ao microfone e diz, com uma tamanha simplicidade que aquilo eram simples melodias, como que se qualquer criança pudesse fazer. Mexendo as mãos de forma inquieta no ar, ele se esforça para dizer "bomboletas", o baixista o corrige - borboletas,  e imitando o vôo delas com a mão, diz que as melodias são como borboletas, difíceis de serem apanhadas, mas se tivermos paciência elas simplesmente vêm e pousam na gente, colocando a mão em forma de borboleta sobre o peito.
 
Lá pelas tantas, as backing vocals vêm para o meio do palco dançando um som meio latino, cantado em espanhol. Uma era loira e esguia, a outra tinha pele morena, cabelo tendendo ao ruivo e cheia de ginga. Apostei todas as minhas fixas na loira como sendo filha de Jon, perdi.
 
Num intervalo recitou um lindo poema, de poucas linhas, que falava do fim da guerra, da fome e da miséria, mas a excitação não permitiu que eu a memorizasse.
 
Durante todo o show ele canta com a cabeça ligeiramente inclinada para cima, como se estivesse cantando para Deus.
 
Ele apresenta os músicos e deixa que cada um mostre um pouco daquilo que sabe fazer. Os uruguaios, de longos cabelos pretos amarrados para traz, surpreendem pela competência, e o guitarrista também por sua  beleza meio indígena de olhos puxados.
 
Entre o intervalo de uma música e outra eu tinha que me controlar para não bater palmas demais, e diversas vezes ele teve que pedir, levantando a mão, para que parássemos de aplaudir e ele pudesse dizer o que queria.
 
Ele tocou músicas do YES, de sua carreira solo, músicas dele com o grego Vangelis e outras tantas. A palavra que melhor sintetiza o espetáculo é surpreendente.
 
Jon, aos 48 anos, prega a  tese  de que nos próximos anos todas as correntes musicais irão se juntar para elaborar, lentamente, a grande música para os séculos 21 e 22.
 
Afirmação que, apesar de eu não ser nenhuma autoridade musical, contesto, pois acredito que a música é algo que vem do interior de cada um, e cada interior se forma em função das raízes, experiências e locais em que viveu, portanto seria impossível  existirem todos os tipos de música dentro de um único ser.
 
No entanto o show serviu para mudar a minha opinião com relação à World Music, que propõe justamente esta fusão à qual Jon se refere. O contato que eu tive com ela até antes do show me fez concluir que misturando um monte de estilos você acabava não conseguindo agradar nem a gregos e nem a troianos. Hoje, percebo que quando a mistura é bem dosada e de bom gosto, o resultado inovador pode ser agradavelmente surpreendente.
 
Ricardo Koetz

 
 
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