King Crimson

04/10/2019 50th Anniversary Tour – Espaço das Américas

 * Uma explicação se faz necessária: como tirar fotos durante o show estava expressamente proibido, as fotos do show que aqui exibo foram tiradas da televisão, durante a apresentação do Rock In Rio, ocorrido dois dias depois, exceto algumas, também de má qualidade, que tirei me arriscando, mas servem perfeitamente para ilustrar amadoristicamente como foi a apresentação.

 Da esquerda para direita estão Pat Mastelotto (bateria), Jakko Jakszyk (vocal e guitarra), Mel Collins (sax e flauta), Robert Fripp (mentor e guitarra), Gavin Harisson (bateria), Jeremy Stacey (bateria e teclados) e Tony Levin (baixo e chapman stick), todos multi-instrumentistas, por isso, cito apenas os instrumentos principais por eles tocados.

Cheguei cedo e com a expectativa altíssima, sem medo de me desapontar, o que eu não esperava era que esta minha expectativa não chegaria aos pés do que me seria apresentado.

A função da bateria é marcar o ritmo e ficar como coadjuvante, fazendo a “cozinha” ao lado do baixo, mas há quem não concorde com isso. Neal Morse, por exemplo, trouxe a bateria para o canto direito do palco, assim Mike Portnoy passou a ter o mesmo destaque que os outros músicos do palco.

Já o líder do King Crimson resolveu inovar, não só colocou a bateria na linha de frente, como adicionou mais duas e transferiu todos os outros músicos para trás delas, deixando bem claro quem seriam os protagonistas que comandariam o show. No encarte abaixo, do CD gravado em Viena, é possível ver a exata disposição dos instrumentos/músicos no palco.

Qualquer um poderia julgar três baterias um exagero, até o momento em que visse a perfeita sincronia dos músicos. Nunca mais conseguirei assistir a um show e achar que uma única bateria é suficiente. Tratavam-se de três equipamentos de marcas diferentes, timbres diferentes, configurações distintas e bateristas de estilos diferentes. O resultado foi fabuloso!

O show começou pontualmente às 21:30 com Drumsons onde os três espetaculares bateristas dão um show, sem a participação de nenhum outro músico e assim seria durante vários momentos o show, onde os três interagiam, enquanto que o restante dos músicos apenas assistia. Logo no início, como se três baterias não fossem suficientes, eles empunhavam duas baquetas entre os dedos de cada mão, causando um efeito dobrado.

Quando a segunda música, Larks’ Toungues in Aspic (Part One), acabou, respirei fundo de alívio, eu já estava exausto pela emoção.

Em 2014, quando estava numa viagem de moto por alguns países da América do Sul, ao chegar em Purmamarca, Argentina, me deparando com as paisagens absolutamente diferentes de tudo que já tinha visto, pensando em toda a dificuldade e luta por décadas que havia passado, acariciado pelo vento enquanto cavalgava meu sonho de aço, ao ver aquela beleza estupefante, lágrimas escorreram por dentro do capacete. Quando King Crimson iniciou a quinta música e identifiquei nos acordes iniciais Epitaph, me senti chegando em Purmamarca novamente, no lugar do vento, meus sentidos eram acariciados por notas musicais que durante décadas desejei sorver ao vivo, quando a música acabou, com os olhos marejados eu senti que mais um grande sonho estava sendo realizado e minha longa espera tinha chegado ao fim. Depois de Neurotica ainda fui agraciado com a linda Moonchild.

A pancadaria absurda das três baterias, o rugido quase gutural de uma guitarra suja e a pulsação inquieta do baixo, colocaram meus sentidos despertos. No meio de tudo isso emergia a suavidade da flauta em contraponto ao caos, trazendo equilíbrio ao pH daquela densa atmosfera. Inacreditável.

Enquanto que, dois dias depois, no Rock In Rio eles tocariam apenas sete músicas, nesta noite foram 19, totalizando aproximadamente 2h15min sem contar o intervalo de quase meia hora.

Infelizmente ficou fora desse set a divertida Cat Food, que fez parte do repertório nos EUA, mas não foi tocada aqui. Para a segunda parte vieram Cirkus, Easy Money, Larks’ Toungues in Aspic (Part IV), Islands, Indicipline, The Court of the Crimson King, Starless e para o bis não poderia ser outra senão 21st Century Schizoid Man, além de muitos momentos de interação acrobática entre os bateristas.

Ovacionados de pé várias vezes, não se dirigiram ao microfone uma única vez para agradecer ou anunciar a próxima música, apenas nos olhavam e esperavam que os aplausos cessassem, quando demorávamos demais, Tony Levin levantava a mão para agradecer e pedir licença para iniciar para iniciarem o próximo petardo.

Certa vez li no whiplash.net e achei perfeito: “Um culto à esquisitice e ao fora de parâmetro que, além da contribuição irrefutável no passado, persiste vivo e atual, soando contemporaneamente desafiador como pouquíssimas bandas de rock (novas ou velhas) são capazes de soar. A intensidade imposta por Robert Fripp nas composições deve mesmo esvaziá-lo de expressões faciais e contatos ‘pessoais’, ‘verbais’. Está tudo exposto em sua música.”

Em 1969, quando “In the Court of the Crimson King” foi lançado, Pete Townshend, guitarrista do The Who, definiu o debute da banda como “uma estrambólica obra prima”. Passados 50 anos, achei essa definição para o show  perfeita.

Como quem sai de um jato supersônico após quebrar a barreira do som e experimentar acrobacias inimagináveis, saí trôpego, exausto, mas extasiado, pensando comigo “vi praticamente tudo o que queria ver na vida, agora só falta Eloy”.

 ricardo@bluesrockshow.com

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