SESC 14/11/2019 Ter a oportunidade de ver Patti com quase 73 anos na ativa é um privilégio. Privilégio maior ainda foi poder assistir a um bate-papo que ela teve no SESC Pompéia sobre dois livros dela que estavam sendo lançados em português. O ingresso era gratuito e o horário para início da distribuição dos ingressos era 13 horas e o “encontro com os leitores” no teatro às 14, então cheguei pouco depois das 11 para garantir o meu e me surpreendi. A quadra de esportes, onde estava sendo formada a fila estava lotada de gente. Mais curioso ainda foi constatar que 70% dos presentes ou mais tinham menos de 30 anos. Uma “garotada” tranquila e bem organizada, se autoenumerando como prevenção contra eventuais paraquedistas que quisessem furar a fila. Não aguentei a curiosidade e me aproximei de algumas rodinhas e perguntei o que foi a porta de entrada para o trabalho de Patti, já que quando ela já fazia sucesso, os pais deles provavelmente estavam aprendendo a transar. As respostas foram as mais diversas, mas a de muitos foi “Só Garotos”, o primeiro livro dela traduzido para nós, depois veio a música e teve até um rapaz que chegou a ela através do Robert Mapplethorpe, ligado à fotografia, que morou com Patti por anos. Em contrapartida, uma das “meninas” me perguntou qual música dela era minha favorita, numa saia justíssima expliquei que eu seria incapaz de definir 10 favoritas, pois estaria deixando fora da lista várias que eu adoroEm seu “encontro com leitores” contou que quando tinha 2 anos de idade, 1948, não havia televisão e via os pais durante quase 4 horas por dia com a cara enfiada em livros e ela concluiu “Hmmm, deve ter alguma coisa muito interessante dentro disso.” Disse que chegou a colocar livros em baixo do travesseiro para ver se enquanto dormia algo saísse deles para dentro de sua cabeça. Quanto completou quatro, pediu para a mãe alfabetizá-la para poder começar a ler. Disse que a mãe lhe ensinou duas coisas muito boas, rezar e ler, e falou um pouco, não de religião, mas de sua espiritualidade. Confessou ser um tanto refratária à tecnologia e que só aceitou um celular na sua vida quando foi acompanhar o amigo Johnny Depp em filmagens no Caribe e que seu filho, para falar com ela, teve que conseguir o telefone de Depp, o que foi um trabalho árduo. No dia seguinte Johnny a presenteou com um celular e, então, forçosamente o mantém até hoje. Indagada sobre mídias sociais disse não ser muito adepta, que gosta do Instagram, recebe mensagens de todo o mundo mas que quando as coisas divergem de seu ponto de vista, bloqueia as pessoas. Algumas se queixaram por não manter um espaço democrático. Disse que não era para ser democrático, aquele era o espaço dela, e todos rimos. Contou o que a levou a escrever os livros que estava lançando, processo de criação, embates bem humorados com o seu editor, a lapidação para torná-los mais palatáveis e o resultado final. Questionada sobre seus escritores favoritos, citou, entre outros, Arthur Rimbaud e contou que havia comprado a casa no campo que foi dele e onde teria escrito vários de seus poemas. Durante a Segunda Guerra fora bombardeada mas teria sido reconstruída pedra por pedra. A pessoa que vendeu, ainda ligada à família, fez um preço camarada para que ela a comprasse e não deixasse o local virar um condomínio. A entrevistadora perguntou se a casa estaria aberta à visitação e ela disse que se tratava de um lugar muito simples, com poucos móveis e sem conforto algum, que ela pretende torna-lo habitável e alugar apenas para escritores, por períodos de 30 dias, para que possam usufruir da reclusão e se inspirar para seu trabalho. A entrevistadora chamou a atenção para o fato de “O Ano do Macaco” ser um livro escrito em um momento conturbado pelo qual o mundo estava passando, mas que apesar disso ela era uma otimista. Patti esclareceu que ela tinha a obrigação de ser, como mãe e ser humano ela tinha que acreditar que sempre há coisas boas por virem.
A entrevistadora perguntou o que Patti recomendaria que as pessoas lessem. “Recomendo simplesmente que leiam. Leia aquilo que te fisga.” e acabei me lembrando que na adolescência eu não tinha o habito da leitura, acho que simplesmente porque o que me foi apresentado até então não teve o poder de fisgar, depois que descobri do que gostava, não parei mais. Mas o maior exemplo que ficou para mim foi a forma sutil com que discordou da entrevistadora sobre um comentário: “Eu detesto discordar, porque eu realmente gosto muito de você, desculpe, mas...” e daí colocou sua opinião, mesmo que contrária, da forma mais delicada possível, apresentando suas justificativas. Num tempo de intolerância em que as pessoas andam tão cheias de certezas, a arrogância delas não permite ver que uma opinião contrária não é uma afronta, apenas uma maneira diferente de ver alguma coisa e que não custa procurar entender a razão que a leva a ter uma visão diferente. Mas algo surpreendente estava por acontecer. Para o encerramento, ela lia um trecho do livro em que perguntava o que seria dos refugiados, uma vez que os governantes de várias partes do mundo estão se tornando cada vez menos receptivos a estas pessoas, “quem irá estender as mãos para estas pessoas necessitadas?” Ela falava das famílias desesperadas, da mãe que carrega seu filho nos braços, da criança que chora... E neste exato momento uma criança de colo começou a chorar no teatro e Patti se vira, com olhar assustado, faz uma pausa e com a voz embargada pela emoção disse que isso deveria significar algo, não podia ser apenas um acaso. Quando se levantou para se despedir, agradeci a ela por compartilhar sua vida conosco. Apesar de ela ter olhado na minha direção, não tenho certeza se ouviu bem o que disse. Um amigo fotografo que cobria o evento me deu a dica sobre o hotel em estava hospedada, onde eu provavelmente teria acesso a ela, mas acabei não indo. Bobão!
Popload Festival 15/11/2019 Eram mais de 17 horas e meu coração estava dividido, queria chegar com folga para ver a Patti novamente. Cheguei a sair com minha esposa, andamos menos de um quilômetro com meu carro e voltamos, algo me dizia que eu estava para viver um daqueles grandes momentos da vida que não têm replay. Conheci o Renato quando completei 16 anos, a moto
que era dele passaria a ser minha e ele me ensinou a andar com ela. De lá para
cá muita água passou por baixo da ponte, mas nos tornamos grandes amigos e ele
estava na casa meu irmão, em Caucaia, esperando a noiva atrasada para ambos - jovens
como eu - iniciarem um segundo casamento, apenas pouco mais de dois meses
depois de se conhecerem. Foto: Wiliam da Silva Lima Santos
Vânia, sob um céu ameaçador entrou no abrigo de lona lindamente decorado com flores e plantas, trazida pelo altar improvisado por meu irmão. A banda Flores do Fogo executava, a pedido do noivo, a bela e pesada “Mamãe Eu Cresci”. Vânia não conseguia andar, as pernas não obedeciam, a emoção que explodia por todos os poros fazia o corpo todo tremer, olhou para a banda, respirou fundo, apertou a mão de meu irmão, ergueu o rosto, com o punho direito em riste, olhou para o Renato e com a firmeza que a música exige cantou com a banda: “Mesmo que o sol não venha mais brilharEu serei a luz, a luz que há em nós”
E marchou em frente para encontrar sua cara metade que irradiava uma alegria que chegava a ser palpável. A cerimônia se encerrou com declarações apaixonadas de ambos os lados, e deixaram o altar ao som de “Poeta da Noite”. Que show, quero dizer, que casamento! Foto: Wiliam da Silva Lima Santos
A festa invadiria a noite e ainda presenciei outro ponto alto, no sábado, com nosso querido tio Érico dançando loucamente com a noiva, ao som de ZZ Top sendo executado pelos Zeppers, mas essa já é uma outra história. Saímos correndo ao ponto de pegar boa parte do show dos Raconteurs, banda de Jack White, que gostei bastante.
Patti Smith entrou no palco com “People Have the Power” e logo em seguida tocou “Ghost Dance”, pronto, o ingresso estava pago, uma grande surpresa para mim. Entre uma cuspida e outra, emendou “Dancing Barefoot” e tributos a Midnight Oil, com “Beds Are Burning”, “After the Gold Rush” do Neil Young, que começa devagar e vai se incendiando até causar uma catarse coletiva.
“I’m Free”, dos Rolling Stones, fundida a “Walk on the Wild Side” (que acho chatinha), cantada apenas pelo guitarrista Lenny Kaye, dando um fôlego para Patti. Outro integrante original é o baterista Jay Dee Daugherty. Um detalhe que estranhei: li em dois sites de grandes jornais que escreveram que, antes de tocar “Beds Are Burning”, Patti falou que era um protesto pelas queimadas na Amazônia. Bom, eu acho que seria legal se tivesse sido da forma como colocaram, mas não foi bem isso que ela disse. Ela mencionou o mundo em chamas, se referindo nominalmente aos incêndios na Califórnia, à tragédia de Portugal, Austrália e na “Rain Forest” (que poderia ser traduzido simplesmente “Amazônia”), mas não falou exclusivamente dela, nem mesmo a palavra que também existe em inglês foi mencionada.
Curiosamente quando começou “I’m Free”, a bateria da máquina fotográfica acabou e liberto fiquei, para apenas curtir o show. Entre as minhas preferidas ainda viria mais uma surpresa: “Pissing in a River”. Claro que não faltou “Because the Night” e, como da outra vez, tocou “Horses/Land of a Thousand Dances” emendada com “Gloria”, com ela arrancando todas as cordas sua guitarra. O setlist completo não é difícil de encontrar. Ao contrário de quando a via há 13 anos atrás na Marina da gloria, no Rio de Janeiro, no lugar de cantar para meia dúzia de gatos pingados, desta vez cantou para aproximadamente 15 mil pessoas, segundo a organização. Tocou por apenas 1h15min, normal para um evento desse tipo. Não sei quanto tempo tocou no dia seguinte em evento fechado, ouvi dizer que estava mais descontraída e falante, pena que não consegui ingresso. Em alguns momentos parecia ligeiramente ofegante, no mais, sempre foi super simpática, bem disposta e se movia com desenvoltura. Espero vê-la novamente qualquer dia desses. ricardo@bluesrockshow.com |
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