S.W.U.

13/11/2011 - Paulínea / SP
 
Um festival feito para pessoas perfeitas.
 
O festival S.W.U. tem como bandeira a luta em prol da ecologia, sustentabilidade, atitudes politicamente corretas, etc, inclusive com fóruns de discussão. São muito preocupados com o aquecimento global, desmatamento e defesa dos animais, mas se esqueceram que em lugares muito mais próximos que a Amazônia, ou de mares remotos, existem pessoas que também precisam de alguma atenção especial. Tudo indica que os idealizadores vivem numa realidade utópica de pessoas perfeitas. Eu explico: do ponto do estacionamento mais próximo ao show, todos tiveram que andar quase um quilômetro até a entrada, e da entrada praticamente a mesma distância de volta até o palco Energia. Ufa, e haja energia para um deficiente ou cadeirante ou alguém que não tenha pernas boas ou coração bom, encarar uma caminhada dessas sob o sol escaldante. A inclusão social também está na moda, sabiam?
 
Preocupação? Talvez com criancinhas na África
 
Estacionamento? Eu falei estacionamento? Ah, sim, para incentivar o uso consciente do carro, veículo com até 2 pessoas pagava R$ 100,00 mais que duas R$ 50,00. Bacana, né? Agora imagina um descampado enorme com o terreno em declive, que provavelmente era um canavial, mato cortado baixinho e terrão. Perguntei ao pessoal do estacionamento onde o deficiente deveria estacionar (em São Paulo, qualquer evento público tem uma área privilegiada para portadores de necessidades especiais PNE's - ah, mas eu esqueci, eles vivem num mundo de pessoas perfeitas, engajamento só com problemas globais...). Deficiente? Depois de um perguntar para ou outro e de muitas conversas via rádio, me indicaram um local ideal para estacionar e lá segui com meu carro politicamente correto com 7 pessoas dentro, descendo a pirambeira e enroscando em cada curva de nível que aparecia. O ponto mais próximo ficava a quase 2Km, conforme descrito no parágrafo anterior, mas tinha um barranco de uns 2 metros de altura que me separava dele. Para não despinguelar barranco abaixo, tive que andar mais algumas centenas de metros no sentido contrário para depois voltar, tudo em terreno bastante acidentado. Não consigo imaginar como um cadeirante teria conseguido se virar, e não pensem que aceitei a situação de forma passiva, passei uns 30 minutos tentando algo mais apropriado com o pessoal do "estacionamento" e mais uma hora com os "orientadores" para entrar no local sem ter que andar os quase 2km. O despreparo era total, em todas as esferas, felizmente o pessoal do Corpo de Bombeiros sempre está disposto a ajudar, mesmo que demore. No final, entrei, sem apresentar ingresso, com uma mochila enorme e sem passar pela revista. Lá dentro, tinha o cercadinho para os PNE's, que na noite anterior, apesar de distante do palco, segundo relatos do próprio bombeiro, tinha sido invadido pelos "sem noção", além disso, não tinha cadeira para acomodar o deficiente não cadeirante. Hahá! Eu já esperava por isso e trouxe a minha cadeirinha de praia de casa, que estava no carro. Bom, seguiu-se ai mais uma hora de negociações para permitirem que alguém fosse peregrinar e retornar com a cadeira, que era estritamente proibida.
 
Ecologicamente VIP? 
 
Um recado que ficou muito claro é que esse troço de ecologia custa caro. Se você comprasse o ingresso e ainda quisesse gastar mais R$ 900,00, podia ficar numa área VIP, acho que deve se tratar de uma espécie de taxa de compensação ambiental. Ao invés de ficar no lugar comum, você tem direito a estacionar pertinho, não precisa andar que nem um camelo, pode comer e beber até passar mal, com direito até a massagista e outras mordomias.
 
O planeta está perdido
 
Tinha também uma área para camping, legal né? Detalhe, era preciso pagar R$ 400,00 para poder usar um lote de terra batida de uns 4 m² por 3 dias. É... a esse preço acho que o futuro de humanidade realmente está condenado. Por mais antiecológico que poça parecer, três dias num hotel Ibis com café da manhã custa menos que isso e ainda dá para ir de taxi, que é mais barato do que estacionar. Não tem ecologia que resista desse jeito, o que faz-me concluir que tem muita gente querendo ganhar dinheiro em cima da bandeira verde.
 
Mulheres no banheiro só em pares e com celular
 
Tinha praça de alimentação só de comida natureba e tinha praça para os normais, digo, vis carnívoros, tudo bem distante uma da outra, talvez para evitar confrontos... Mas os banheiros, bem, esses não precisavam nem de indicações para localizá-los, bastava ir pelo cheiro. Será que estavam usando a fedentina e gases para algum tipo de geração de energia alternativa? Não creio, já que depois do anoitecer as moças só podiam ir ao banheiro em dupla, enquanto uma fazia o serviço a outra tinha que tentar iluminar o local com celular, pois nem luz tinha nas pocilgas. No dos rapazes, não tinha problema, desde que fosse fazer só o número 1, bastava por o pé para dentro e se aliviar em qualquer lugar. Quando eu estava lá, um doido entrou com um farolete, achei melhor ir para o lado mais escuro para não enxergar o real estado das coisas. Será que o pessoal dos fóruns conheceu esses banheiros?
 
Infelizmente são coisas idiotas e básicas como essas, como a desinformação, como ausência de estrutura para atender a um deficiente, como o despreparo num momento de violência que citarei no último show da noite, que acabam manchando e pondo em dúvida a seriedade de todo um trabalho que acredito, no fundo, não ser apenas um caça níqueis e ter realmente fins mais nobres. Perto do que foi gasto, corrigir estes pequenos detalhes que contam tanto é "merreca" e espero que sirvam de lição e sejam corrigidos no próximo evento.
 
Zé Ramalho
 
 
O show começou pontualmente as 15hs com O Que É O Que É do Gonzaguinha, sob um cobertor de nuvens cinzas pairando no ar. Em seguida tocou uma versão que transformou o hino Para Não Dizer que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré, numa música alegre e dançante - uma heresia, na minha opinião. As coisas voltaram ao lugar com  Avôhai, Táxi Lunar, Admirável Gado Novo e quando tocou Raul, começou com O Trem das Sete, o que soava como uma profecia:
 
 
Ói, olhe o céu, já não é o mesmo céu que você conheceu, não é mais
Vê, ói que céu, é um céu carregado e rajado, suspenso no ar
 
E não deu outra, começou a ventar forte e a descer água.
 
Mas a nossa resposta veio com Medo da Chuva, a próxima que tocou do Rauzito:
 
 
Eu perdi o meu medo
O meu medo, o meu medo da chuva
Pois a chuva voltando
Pra terra traz coisas do ar

Héhéhé! Estávamos preparados (da esquerda para direita Anselmo, meu irmão Claudio e Sílvio), medo mesmo, só de ter que ir ao banheiro...

 
E fechou com Frevo Mulher
 
Nada mais maçante em festivais do que os enormes intervalos entre um show e outro, até que o palco seja desmontado e aprontado para o próximo artista. Para resolver esse problema, montaram dois palcos principais, montados de frente um para o outro, com um espaço de aproximadamente um campo de futebol entre eles. É ruim ficar correndo de um lado para o outro, mas com o benefício de o intervalo entre os espetáculos ser de apenas 5 minutos - isso na teoria. Infelizmente na prática, o palco Consciência, em que o Ultraje à Rigor deveria tocar logo em seguida, estava sendo varrido por fortes rajadas de vento e lavado completamente pela chuva. Como o palco "de lá" estava impraticável, aprontaram o "de cá" e Tedeschi Trucks Band tocou primeiro.
 
 
 
Tedeschi Trucks Band
 
Eles mereceram uma página só para eles. Para saber como foi o sonsão dessa grande surpresa, clique no link abaixo:
 
 
 
 
Ultraje à Rigor - forféu com sopapos e empurra-empurra.
 
Com a ordem restabelecida no palco Consciência, o Ultraje à Rigor mandou ver seus sucessos de letras sarcásticas e bem humoradas.
 
 
O problema é que com o atraso, ele entrou no horário em que Chris Cornell deveria tocar, e ai seguiu-se uma enorme confusão. Roger entrou sozinho, quando ia começar o show, olhou para traz e viu que a banda tinha sido barrada. A equipe de Peter Gabriel queria que o Ultraje tocasse só meia hora, o que não tinha cabimento, ameaçando ir embora, depois o irmão do Roger e um roadie do Peter partiram pra porrada. Até então não sabíamos disso, e Roger soltou várias farpas durante o show, que imaginávamos serem direcionadas ao Chris, gerando um clima que conflitava com o objetivo maior, que era divertir os presentes com música. Segundo declarações do Roger, no dia seguinte, Peter Gabriel disse que não estava sabendo da confusão e fez questão de ligar pessoalmente para se desculpar pelo ocorrido.
 
 
 
Destaque para a competência da banda e em especial do guitarrista. Eles tiveram ainda a participação do Ricardo do Beatles Forever.
 
 
 
Chris Cornell - acústico de um homem só não é coisa para festivais...
 
Com a confusão criada pela chuva, duas apresentações foram feitas na sequência no palco Energia - Zé Ramalho e a Tedeschi Trucks Band, obrigando que dois shows fossem feitos na sequência também no palco oposto, Ultraje e Chris Cornell, o que acabou criando o problema que justamente queriam evitar, os longos intervalos entre os shows, para preparação dos palcos.
 
 
Para o desapontamento de muitos, Chris Cornell (ex-Soundgarden e ex-Audioslave) subiu no palco apenas com um violão, sem banda. Então por que demorou tanto para tocar, já que não seriam necessários tantos ajustes? Não sei! Apesar de ser respeitado e ter uma voz legal, achei o show um saco, a hora simplesmente não passava e sujeito não parava de cantar e tocar o seu violão, com todas as músicas parecendo iguais... desculpem minha ignorância, mas foi assim que meu ouvido despreparado sentiu a apresentação. Show mais apropriado para um boteco.
 
 
Duran Duran 
 
Chegou a hora da purpurina! Com muito brilho, maquiagem e tremeliques, o Duran Duran fez um show competente para quem gosta do estilo. Tocou algumas do último disco que achei abomináveis, mas agradaram o grande público com Planeth Earth, a "007" A View to a Kill, The Reflex, Notorious, Hungry Like a Wolf, Wild Boys... mas tinha hora que eram tão disco que me dava vontade de sair correndo e gritando.
 
 
É preciso dar o braço à torcer para o baixo funky bem tocado por John Taylor.
 
 
A voz de Simon Lebon também continua boa, mas foi bem amparado, na maior parte do tempo por uma vocalista negra, Anna Ross, muito boa que aparentemente agora faz parte da banda.
 
 
 
Peter Gabriel - se fosse num teatro teria caído muito bem...
 
 
No palco oposto uma longa preparação de orquestra para o show de Peter Gabriel and the New Blood Orchestra.
 
 
 
Com ela, Peter tocou versões orquestradas de alguns sucessos e de muitas músicas obscuras. Entre cada música ele lia em português intermináveis anotações que falavam sobre a próxima música, de forma sonolentamente lenta e pausada. O auge do falatório veio no final em que chamou alguém que falava português, finalmente, para falar sobre uma ONG de sua filha e fez com que todos repetissem umas palavras em "africano", para ser mostrado para criancinhas guerrilheiras no Congo ou coisa assim.
 
 
Desculpem meu desinteresse por uma coisa tão nobre, mas depois de estar a mais de 9 horas mal acomodado, tomando chuva, mijando no chiqueiro e aturando coisas que não me interessavam, o meu egoísmo começou a falar mais alto, não me importando se há problemas na África ou não.
 
Lynyrd Skynyrd
 
Tudo aquilo e um pouco mais
 
 
 
Conclusão
 
Quando a gente bebe e mistura as coisas, dá dor de cabeça, e foi exatamente o que aconteceu, olha só: misturaram MPB de Zé Ramalho, com elaborado southern rock de Tedeschi Trucks, com rock simples e direto do Ultraje, com acústico de barzinho do Cornell, com o disco total de Duran Duran, com a orquestra clássica de Peter Gabriel e o pesado rock sulista do Lynyrd. A única coisa que combinava era Tedeschi com o Lynyrd... Colocar num saco de gatos só tantos estilos diferentes talvez seja a justificativa para a falta de um público expressivo.
 
Fico imaginando os banheiros no dia anterior quando o público era no mínimo o triplo...
 
 
Ricardo Koetz
 
 
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