David Torn

SESC Belenzinho 21/01/2012
 
O abstrato sonoro
 
Ponderei longamente sobre meu direito de fazer comentários à respeito de algo que não compreendi. Pensei simplesmente em não escrever nada, nem publicar as imagens desse show, no entanto, se faço comentários não profissionais, baseados nas impressões pessoais de como um show tocou meu coração positivamente, por que não fazê-lo também quando o desfecho não é o esperado? Isso posto, vou-lhes relatar MINHAS impressões.
 
 
O nome dele não me disse nada, mas no currículo desse americano constava que havia estudado composição com Leonard Bernstein, tocou na banda de apoio de Lou Reed, entre outros, tocou também com David Bowie, Jeff Beck, Sting, Bill Bruford e Tony Levin - de quem eu vi uma apresentação estupenda neste mesmo teatro - (sendo esses dois últimos do King Crimson), fiquei curioso. Confesso que procurei alguma coisa na internet e que quanto mais eu via, menos eu queria ir ao show, mas resolvi ignorar para não ser influenciado negativamente.
 
 
Com o palco à meia luz, as luzes do teatro se apagaram. David aparentemente afinava a guitarra e mexia freneticamente nos botões de um aparelho além de pisar nos pedais à sua frente - putz, pensei, estão com algum problema técnico - passava a palheta pelas cordas e tornava a torcer os botões, aparentemente com um certo desnorteamento, com semblante preocupado de quem não sabe o que está havendo. Contudo, o baterista estava tocando e o saxofonista, que completava o time, também tirava alguns grunhidos de seu instrumento, ignorando totalmente os problemas de David, ou será que estavam com problemas também? Bom, depois de uns 5 minutos disso, com o caos sonoro se avolumando cada vez mais, cheguei  conclusão de que a apresentação já havia começado. Parecia que cada um estava em seu próprio mundo, em sua própria nuvem, ignorando completamente o que o outro estava fazendo. Aliás, David estava sempre ocupado com os botões, de costas para os outros dois, o que não fazia diferença, pois geralmente estavam de olhos fechados. Aquela linda guitarra de pé ao lado dele, estava lá só para decorar o palco, sequer olhou para ela.
 
Durante toda a apresentação, não ouvi um único riff ou fraseado de guitarra ou sax, consistia basicamente em poucos toques nas cordas e minutos de pilotagem de botões e pedais.
 
 
O baterista, ah, o baterista! Ches Smith é uma figura, campeão das esquisitices, em certo momento lambia os dedos rapidamente, várias vezes, e esfregava contra a pele do tambor e da caixa, extraindo um som que talvez estivesse apenas em sua mente e que os microfones não foram capaz de captar - quem sabe no futuro. Em outro momento, pôs-se de pé e esfregava a ponta da baqueta contra o prato, tirando aquele agradável som do giz arranhando a lousa, manja? (vide a primeira foto) Outras vezes, numa posição de ioga, talvez, colocava o pé esquerdo sobre a caixa enquanto tentava toca-la, conforme foto abaixo.
 
 
A bateria normalmente tem o papel de formar um ritmo, mas a dele não. Imagine todos as peças de uma bateria empilhados no alto de uma escada, de onde, com um pontapé alguém os chuta escada à baixo, pois é, era mais ou menos o som que ele fazia. Cheguei a me atrever a querer aconselha-los para completar a obra: se colocassem uma criança batendo desordenadamente nas teclas de um piano, se encaixaria perfeitamente no contexto de algumas passagens.
 
Por duas vezes fez-se o silêncio, os músicos abriram os olhos, se entreolharam e o sorriso de satisfação de David fez os presentes concluírem de que a "música" havia terminado, o que trouxe aplausos...
 
 
Antes que perguntem, sim, é uma garrafinha de água mineral que está enfiada dentro do sax de Tim Bern. O intrumento era utilizado basicamente para fazer ruídos. E cá entre nós, uma hora e meia de ruídos dá para encher o saquinho de qualquer um!
 
Não satisfeito com a minha falta de compreensão, perguntei as pessoas à minha volta se alguém tinha conseguido fazer uma leitura do que ocorrerá ali, como ninguém entendeu patavinas, procurei o Fábio Golfetti, líder da banda Violeta de Outono, presente, que faz um maravilhoso som lisérgico bem anos 70, para me dar uma opinião mais profissional. Tentou me explicar que era um som que tinha alguns adeptos, que gira basicamente em torno do experimentalismo e do improviso. Com certeza seria impossível ensaiar aquilo, muito menos repeti-lo.
 
 
Este é o aparelho no qual David mexia muito mais do que na guitarra.
 
Guinchos, grunhidos e bateria rolando escadas abaixo, quem sabe faltou um selinho de LSD para entrar no clima... De qualquer maneira, me senti como quando olho para uma tela que tem três rabiscos e uma mancha, e que os entendidos chamam de arte. No fundo de meu poço de ignorância, eu não conseguiria aproveitar aquilo nem numa trilha sonora de filme de horror. Peço desculpas aos músicos e a quem não entenda assim, mas para mim foi uma bad trip.
 
Ricardo Koetz
 
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