20/06/2014 - SESC Belenzinho -
Comedoria Alguns, provavelmente quase todos, irão estranhar
que eu esteja fazendo comentários sobre um estilo que normalmente não faz parte
do meu cardápio musical, mas eu explico.
Em meu primeiro emprego, 1980, trabalhei numa
divisão do Correio em que as pessoas ligavam para enviar telegramas por
telefone, para qualquer lugar do Brasil e do mundo, e cada pessoa lá falava outro idioma além do português. Era uma turma super descolada e, a não ser
pelo trabalho estressante, formávamos uma divertida torre de babel, com pessoas
de origens diversas falando vários idiomas. Entre eles tinha uma sujeito
fanfarrão e bem humorado originário da Costa do Marfim, que falava inglês e
francês, chamado Fauzi Beydoun.
Naquela época a música era tão importante para mim quanto o ar que eu respirava. Me contou que tocava violão e fiz questão de ir até o apartamento dele para conferir. Com sua voz grave e rouca me apresentou ao blues de Fred King. Empunhou o violão, acendeu um cigarro herbal-orgânico, colocou seus óculos escuros e, acho que vislumbrou seu futuro, tocou como se tivesse se apresentando para uma multidão de milhares de pessoas.
Duramos um pouco mais de um ano no emprego, fui trabalhar na Siemens e ele foi ocupar um cargo importante numa empresa de importação e exportação em São Luiz no Maranhão. Trocávamos cartas e certa vez me escreveu que não estava mais encontrando tempo para se dedicar a música e que iria deixar o emprego por isso. Conversei com a mãe dele por telefone que pediu que eu interviesse, mas não havia nada que alguém pudesse fazer para impedi-lo. Ainda bem, hoje ele é o líder da Tribo de Jah, uma banda de reagge formada por músicos cegos, que faz muito sucesso no Brasil e mundo afora. Foi a primeira banda estrangeira a ser convidada a participar do Sun Splash, um festival na Jamaica de reagge raiz. Certa vez fui visitá-lo e presenciei cenas que só havia visto na TV, fãs que ficavam completamente descontrolados ou extasiados quando o encontravam e garotas aos prantos que ele acalmava carinhosamente. Já tinha aparecido em vários programas de TV, entre eles o Jô Soares e Xuxa. Foi gravar na Suíça porque aqui o telefone não dava um tempo, em menos de duas horas em que eu estava na casa dele já tinham ligado um integrante da banda de Peter Tosh e outro que tocou com Bob Marley. Eu estava na presença de um astro, para mim era apenas meu amigo Fauzi, mas essas demonstrações inequívocas de prestigio, faziam com que, às vezes, me sentisse como um intruso que chegou para filar o almoço, sentia-me como se não tivesse o direito de estar ali tratando-o como "Um Homem Comum” (blues de sua autoria). (Fauzi com participação de seu filho)
Mais ou menos em 1984 eu me encontrava acamado, Fauzi me fez uma visita e me presenteou com uma fita K7 de um show que fez no Maranhão com a Banda da Ilha, antes de montar a Tribo de Jah. Um registro interessante com guitarra, baixa, bateria, teclados, percussão, sax e uma forte presença de backing vocals, um pouco diferente do que faz hoje com a Tribo. Certa vez falando com ele, ele me disse que eu provavelmente era o único cara na terra que tinha um registro daquela época. Hoje acabei presenteando-o com uma cópia digitalizada daquela fita e ele ficou muito contente.
Prestes a ser pai novamente, está de bem com a vida. No show tocou antigos sucessos e algumas músicas do seu novo trabalho Resistência Roots.
Para entender porque eu gosto desse cara, independente do estilo musical, ouça e preste atenção na letra de "Impunidade" e se surpreenda de como ele conseguiu transformar a indignação do inconsciente coletivo em arte. Tomara que um dia deixe de ser nossa realidade. https://www.youtube.com/watch?v=NeeBEOdOylA&feature=kp
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A balada romântica de "Chama"
Isso para citar apenas algumas.
Que Jah esteja com todos.
Ricardo |
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